Uma faixa de território conhecida como Sahel, que se estende por
quase uma dezena de países abaixo do deserto do Saara, se tornou foco
potencial de uma das mais graves crises de fome da atualidade, segundo a
ONU, com o agravante de instabilidade política na região.
O
Sahel, que vai do oeste ao leste da África, passando por partes de
países como Mali, Senegal, Níger, Chade, Mauritânia, Burkina Fasso,
Gâmbia e Camarões, está vivendo os efeitos de uma temporada de chuvas
especialmente fraca e irregular, que atrapalhou as colheitas e a
alimentação do gado e fez subir o preço dos alimentos, informou o
Programa Mundial de Alimentos (WFP), da ONU.
'Isso é uma receita
para o desastre numa parte do mundo em que a maioria das pessoas vive do
que consegue plantar', disse o WFP, estimando que até 15 milhões de
pessoas (a soma das populações das cidades de São Paulo, Recife e
Brasília, segundo números do IBGE) possam ser afetadas pela falta aguda
de alimentos.
'Em uma região onde a taxa média de crianças com
desnutrição aguda normalmente fica perto do limite de alerta de 10%,
qualquer fator que reduza ainda mais o acesso aos alimentos pode gerar
uma crise de grandes proporções', informou comunicado da ONG Médicos Sem
Fronteiras.
Tensões políticas
As secas na região têm
piorado recentemente, por conta das mudanças climáticas, diz a ONU. A
situação é agravada por altas nos preços dos combustíveis e pelas
tensões políticas em países como Líbia (cujo conflito provocou efeitos
em toda a região), pelo recente golpe de Estado no Mali, pela ação de
rebeldes no Níger e de radicais islâmicos na Nigéria.
Essas
tensões causam instabilidade, alteram fluxos migratórios e prejudicam a
distribuição de alimentos em áreas afetadas por conflitos.
O
principal foco de tensão é o Mali, onde, após o golpe, o presidente
Amadou Toumani Touré renunciou formalmente e a junta militar em controle
prometeu a transição para um governo civil. Mas o norte do país está
parcialmente dominado por rebeldes da etnia tuaregue, que declararam a
criação de uma região autônoma. Há relatos, citados pela agência France
Presse, de que os rebeldes tenham imposto a lei islâmica (sharia) em
algumas áreas e que começam a se relacionar com o braço da Al-Qaeda no
norte da África.
Segundo Stéphane Doyon, coordenador da campanha
de desnutrição da ONG Médicos Sem Fronteiras, a situação política
dificulta o trabalho humanitário. 'A maior preocupação é com o Mali. No
Níger, não temos problemas de acesso, mas a segurança está reforçada.
(As tensões) podem dificultar o acesso à população (desnutrida)',
declarou à BBC Brasil.
A crise atual não é inédita na região, mas, segundo o Programa de Alimentos da ONU, tem potencial para ser mais grave.
'Enquanto as secas de 2005 e 2010 foram sentidas principalmente no
Níger e no Chade, a crise da fome neste ano está se espalhando por toda a
região, do Chade (no centro da África) até o oceano Atlântico, afetando
oito países', disse à BBC Brasil Malek Triki, porta-voz do WFP no oeste
da África.
'Pior está por vir'
Para Stéphane Doyon, do MSF,
'é muito cedo para saber a extensão da crise. O período de maior
dificuldade, tradicionalmente entre maio e junho, ainda está por vir'.
'No
entanto, nós já prevemos que centenas de milhares de crianças irão
sofrer de desnutrição aguda severa, como sempre acontece nessa região
esta época do ano', disse ele, no comunicado da MSF.
A ONG relata ter ampliado sua atuação na região.
E
o Programa Mundial de Alimentos informou estar comprando comida de
países vizinhos ao Sahel para fornecer aos famintos e faz campanha por
mais fundos.
Questionado a respeito das semelhanças entre a
situação no Sahel e a no Chifre da África (Somália e Eritreia), Triki,
do WFP, disse que 'as causas estruturais das crises de alimentação são
as mesmas: os efeitos devastadores das mudanças climáticas e a crescente
incidência de secas, que significam que a população mal tem tempo de se
recuperar de uma crise e começar a reconstruir suas reservas de comida e
gado'.
'E, entre as causas humanas, temos a forte dependência da
chuva na agricultura e a falta de investimentos no plantio e no
desenvolvimento', agregou.
BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário. Sua opinião é muito importante para o blog.