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3 de mar. de 2014

No Ano Internacional da Agricultura Familiar é necessário visibilizar o trabalho das mulheres do campo

No Brasil, a agricultura familiar é responsável por 70% da alimentação que vai à mesa da população. Fora do país não é diferente, ela também tem uma grande importância na alimentação da população do mundo. Diante desse contexto, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) declarou 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF), afirmando que esse incentivo está vinculado à segurança alimentar mundial, pois contribui para uma alimentação diversa e balanceada, faz uso dos recursos naturais de forma sustentável e impulsiona economias locais. 

Em 2011, também a FAO, no relatório "O Estado da Alimentação e a Agricultura", afirmou que as mulheres teriam a possibilidade de aumentar a produção agrícola e alimentar mais de 150 milhões de pessoas que sofrem de fome no mundo, se tivessem igualdade de acesso aos meios de produção como terra, educação, acesso a crédito, entre outros. “Pensar o ano para agricultura familiar é a gente também valorizar e destacar o papel das mulheres, mas não como ajudantes, e sim como sujeitos que contribuem, que produzem conhecimento, que vêm alavancando essa produção e que tem um papel muito significativo nesse processo organizativo”, afirma Graciete Santos, socióloga e coordenadora geral da Casa da Mulher do Nordeste.

Exemplos do papel protagonista das mulheres na agricultura e na soberania alimentar de suas famílias estão espalhados por toda área rural. São muitas as mulheres que mesmo sem a autonomia sobre o uso da terra, com pouco ou nenhum acesso a crédito e sem assessoria técnica específica que dinamizam a produção familiar, que geram renda e que têm um importante papel na preservação da agrobiodiversidade. Mas toda essa tarefa, aliada aos afazeres domésticos, muitas vezes não é visibilizada e percebida como trabalho e gera uma a sobrecarga.

A agricultora Aparecida Santos da Rocha, 45 anos, mora em São José do Egito, no Sertão do Pajeú de Pernambuco. Mãe de três filhas “uma de 19, uma de 18 e uma de 13 anos”, como conta orgulhosa. Ela também cuida do seu quintal e ainda comercializa a produção na feira agroecológica do município, mas prioriza a alimentação da família. “Eu só levo para a feira se sobrar da semana. Eu não tiro ovo e galinha de casa pra levar pra feira não! Só levo se ficar pra comer, é assim com tudo que tenho”, conta. Mas ela também não trabalha apenas na agricultura. “Eu dou conta de casa, da roça, cuido do meu quintal, ainda dou conta dos animais”, explica, sem mencionar ainda o cuidado com as filhas que moram todas com ela. 

Distante dali, mas com uma responsabilidade não muito diferente, vive a agricultora Dalva Vieira, 61 anos, de Lagoa do Juá, em Itapipoca, no Ceará. Ela participa das atividades do grupo de mulheres de sua localidade. Mas sempre cuidou da casa, dos filhos, do marido e trabalhou na agricultura. Reafirma que encontrou a liberdade quando começou a participar das atividades organizativas. “Minha mãe foi atrás da libertação!”, era assim que os filhos respondiam a quem passava na porta de casa e perguntava por ela quando estava participando das reuniões. 

Dona Dalva rompeu com a situação de sobrecarga de trabalho e isolamento em que vivia, e isso se deu a partir dos processos organizativos que passou a participar, como grupos de mulheres e do sindicato de trabalhadores/as rurais. Esses são espaços, inclusive, de poder e apropriação de consciência política. Essa é uma das questões que traz a pesquisa "Mulheres construindo poder – um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam poder, realizada pela Casa da Mulher do Nordeste", pelo Centro das Mulheres do Cabo e pelo Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR-NE), com apoio da Oxfam Intermón. 

A investigação, realizada com diversos grupos de mulheres, em sua maioria rurais, da Zona da Mata e Sertão de Pernambuco e no Sertão alagoano, diagnosticou a importância do exercício de liderança das mulheres como estratégia para a conquista da equidade de gênero. “As mulheres foram negadas nesse espaço [de poder] há muito tempo. Existe um chavão que diz que ‘mulher não entende de política, que lugar de mulher é na cozinha, que lugar de mulher não é na rua’. Essa questão de gênero, que ainda é muito arraigada nas mulheres de base, tem que ser desconstruída. Elas só vão ocupar esses espaços de poder quando entenderem que lugar de mulher é onde ela quiser”, coloca Izabel Santos, coordenadora do Programa Mulher e Poder do Centro das Mulheres do Cabo.

E foi assim que fez a agricultora Maria Irismar Vieira, conhecida como Mazinha, também de Lagoa do Juá, em Itapipoca, no Ceará. Ela sentiu na pele a negação do marido com relação a sua participação em atividades fora de casa como intercâmbios, atividades do sindicato, entre outras. “Foi difícil, pois ele não queria que eu saísse e eu sempre teimando indo para as reuniões da associação. Ele dizia que eu tava batendo perna. Fui batalhando, batalhando e conversando com ele. Mas depois que ele começou a ser agente sindical passou a entender mais a luta e o porquê que a gente andava. Às vezes os homens dizem: ‘ô mulher pra bater perna!’. Mas agora que já foi até para Pernambuco aí  já sabe que a gente não tá batendo perna. A gente tá é adquirindo aprendizado, conhecimento. Aprendendo com os outros agricultores, a gente já aprendeu  muita coisa andando por aí”. 

A consciência de seu papel como sujeita de direitos faz com que as mulheres rompam com antigos estigmas e lutem por direitos básicos, como saúde e educação, por exemplo. “A questão da saúde é assustadora, muitas das mulheres nem fazem e nunca fizeram processo preventivos, não fazem exames. Outra questão que tem a ver com a saúde pública é a questão da violência, a violência sexual e doméstica, no meio rural. Tem a ausência de equipamentos sociais, de delegacias, de casas abrigos. Tudo isso é a própria cultura patriarcal  que é muito forte e o próprio distanciamento entre os sítios dificulta inclusive a mobilidade de você poder denunciar, você tá isolada, você apanha e sofre e alguém só sabe no dia seguinte. É pensar um pouco nessas necessidades das mulheres como sujeito de direitos integral”, coloca Graciete.

Muitos desafios ainda estão postos, mas a questão da divisão sexual do trabalho é uma das mais fortes. “Precisamos trabalhar melhor a questão do trabalho reprodutivo, para que família entenda isso, que esse cuidado é responsabilidade de todos e não só especificamente da mulher. Só dessa forma as mulheres conseguirão ser inseridas em outros espaços”, explica Maria José, assessora política do Movimento da Mulher Trabalhadora Rural e Pescadora de Alagoas (MMTRP-AL). Segundo Graciete, “em tempo de estiagem prolongada, no Semiárido a gente vê que tem verdadeiros oásis nos quintais, e são as mulheres que tão aí fazendo isso. É preciso aprender com essas experiências, valorizando e destacando sua contribuição, para a gente não incorrer achando que é tudo igual quando falamos da família, o homem e a mulher. E sabemos que não é bem assim, existem conflitos nessas relações, as mulheres muitas vezes, inclusive, sofrem opressões. E a gente só ressignifica isso visibilizando. A invisibilidade é muito ruim para o processo de transformação”, destaca Graciete. 

A questão cultural ainda é desafiante para as mulheres seja no meio rural ou urbano. Por isso, as mulheres precisam estar organizadas e participando dos espaços políticos de poder. Para garantir que possam ter acesso igualitário aos meios de produção, para que sua importância na garantia da soberania alimentar seja visibilizada. Que possam existir outras Dalvas, que com sua força e junto com outras mulheres conquistou e acessou direitos que ela destaca como sua liberdade. “Eu me sinto livre porque eu tenho a oportunidade de saber escolher e decidir o melhor pra mim!”, diz a agricultora. Que no próximo dia 8 de março, data que celebra o Dia Internacional da Mulher possamos comemorar vitórias e ter cada vez mais mulheres conscientes de seu papel e organizadas para a transformação de uma sociedade com maior igualdade de direitos.

*Esta produção contou com a colaboração da rede de comunicação da ASA, e das comunicadoras do MMTR-NE e do Diversas e Populares. Participaram da produção: Camila Paula, Domênica Rodrigues, Emanuela Marinho, Gabriela Monteiro, Gleiceani Nogueira e Juliana Lima.

Via Asa Brasil

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